Leia as Histórias
Eram 14h. Morava no Bairro Parada Inglesa, Zona Norte de São Paulo, acabara de completar seis anos. De repente encosta um caminhãozinho, bem no meio da praça, despejando bem alto pelo alto-falante a novidade do dia. De todas as janelas, olhares curiosos procuram entender o que acontece.O som alto do caminhão não parava de convidar as crianças e todas as pessoas do bairro. A expectativa geral era que seria a chegada de um algum circo a se instalar na praça, como já havia acontecido. Do alto do morro, bem em frente a Igreja do Padre Julio, a molecada observava aquela estranha montagem...
Apesar do estardalhaço não ficava claro do que se tratava. Talvez a intenção teria sido essa mesma que desejavam causar. O aviso pedia que todos fossem avisados para um evento noturno e gratuito. Ai a coisa pegou fogo.
A molecada corria de porta em porta avisando sobre a novidade. No bar da praça o assunto não podia ser outro.
Mais tarde um novo anúncio pelo alto-falante do carro:
- “Garotada do bairro, avisem suas mães. Hoje a noite haverá espetáculo”; “Moça bonita não paga e as feias também”; “Quem trouxer cadeira também não paga nada”.
De novo a garotada saia em correria pra suas casas para levar as novas informações.
Grande quantidade de material ia sendo descarregado de cima da carroceria do caminhãozinho.
Todo mundo ali já tinha visto um circo na vida. Cerca de três homens descarregam cadeiras e barraquinhas da carroceria. A molecada se postava no barranco ali próximo a observar.
Pouco antes das 5h, fui pra casa tomar banho e já voltei com um banquinho para sentar. De longe a impressão que dava era que tinham embrulhado o caminhãozinho em um pano branco.
As luzes da rua foram acesas e ai sim deu para ver que havia uma espécie de lençol na carroceria do caminhão. Montadas com antecedência, as barraquinhas começam a vender pipocas e amendoim. Às 6h em ponto, nova comunicação no alto-falante para explicar o que viria a seguir.
Mesmo sem entender nada, a excitação era geral.
Um homem então falou que iriam passar um filme e que era grátis. Menos as pipocas e amendoins.
Assim que ele parou, uma luz intensa vindo de um aparelho foi acesa. Essa luz forte foi bater naquele pano branco parecido com lençol. Trazia junto inúmeras imagens e sons de música.
Eram desenhos animados. Gritos, assobios e palmas partiam da multidão extasiada! Eu estava vendo alguma coisa pela primeira vez na vida e não sabia o nome.
Era meu primeiro contato com "aquela coisa" e já sentia que iria gostar muito. Alguém falou: “isso é cinema!”. Então descobri o que era cinema... Aquilo era mágico. Perdi a respiração. Como aquilo era possível? Era um frenesi...
Veio então um noticiário falando de coisas que aconteciam. Depois passaram um filme que se chamava “O Bobo da Corte”, com Danny Kaye. Imagens coloridas, danças, musicas, corridas, saltos: Adorava tudo que via! Foram momentos intermináveis de puro prazer.
Depois de mais de uma hora, veio o término do filme. Começaram desmontar o pano rapidamente e recolher as cadeiras. Mas quem dizia que o pessoal iria embora? Em coro pediam mais bis. A platéia batia os pés no chão levantando poeira e gritando que queriam mais...
Para dar tempo na desmontagem da tela e das barracas, mudaram a direção da luz lançando outras imagens no paredão da igreja. Ah! Foi uma loucura geral...
Com tão pouca idade fui pego de surpresa a tamanha emoção. Aquelas cenas me marcaram para sempre e forma dando asas a minha imaginação... Até então meu imaginário eram estáticos, vagarosos e meio sem vida. Passei a noite com febre.
Descobrir o cinema, que trouxe uma agitação interna que ajudou a acelerar meu modo de pensar.
Desde então as coisas se tornaram mais vivas e vibrantes. Nada mais foi igual! Passei a gostar de fotografias, de revelar e não perdia a chance de ir ao cinema... Sempre que assistia a um filme revivia a emoção inicial!
Mais tarde assisti alguns filmes que fizeram a minha cabeça, como “Verão de 42”, “Amarcord”, “Cinema Paradiso” e “Vermelho como Sangue”, que me traziam de volta numa viagem no tempo.
Que fantástico poder recordar a minha primeira sessão de cinema em meio a uma praça escondida na periferia da cidade de São Paulo. Guardo uma satisfação enorme de ter sido iniciado na sétima arte em um cinema na rua.
E-mail: luigymarks@uol.com.br
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Modesto Enviado por modesto laruccia - modesto.laruccia@hotmail.com
Era o ano de 1949 e ainda não havia Televisão, e uma sala de cinema só na Lapa ou na cidade. A Praça
ficou totalmente tomada perto de 500 pessoas. Era a Gloria. Parabéns sua narrativa me levou de volta a um tempinho muito gostoso. Enviado por Arthur Miranda - 27.miranda@gmail.com