Leia as Histórias
Ao ler a história do Jose Camargo Beira com o titulo "Um velório nos anos 50" saltou lá de dentro uma passagem semelhante ocorrida nos tempos de infância.
Andando pelas ruas do bairro Vila Nova Conceição, mais precisamente pela Rua Natividade, do longe percebi uma aglomeração na casa de um conhecido. Era um amontoado de gente, todas com semblantes sérios.
Movido pela curiosidade natural das crianças, resolvemos entrar para ver o que acontecia. Estava na época com oito para nove anos. Sem chamar muito a atenção fomos entrando meu primo e eu, sem esbarrar em ninguém. O local mal dava pra entrar. Mas com jeitinho, ultrapassamos uma muralha de gente. Estávamos curiosos para saber do que se tratava.
Ao romper o ultimo obstáculo, demos de cara com um caixão aberto no meio da sala com velas e flores. E dentro dele um homem magro, morto. Se desse teríamos corrido. Mas não o fizemos. Tentamos disfarçar ao máximo o nosso engano tentando fazer cara de paisagem como exigia o momento.
Era meu primeiro encontro com a morte. Até então nunca havia me deparado com aquele tipo de situação. Como a situação era nova, ficamos observando como as pessoas se movimentavam. Diversas pessoas iam ao encontro de familiares postados ao lado do caixão para receber as condolências. Como já estávamos na chuva resolvemos nos molhar e lá fomos oferecer nossos sentimentos. Depois de fazê-lo demos meia volta em direção a porta para nos retirarmos.
Próximo ao portão havia uma mesinha para que os visitantes deixassem nome e endereço. Claro que colocamos deixamos ali o nosso endereço. Nessa época era comum realizar o velório na própria casa onde a pessoa havia falecido.
Passado alguns dias, surpreso recebo uma cartinha. Era uma cartinha da família do falecido agradecendo a presença ao velório. Acabei achando aquilo uma "curtição" com relação ao fato de receber cartas. Pois nunca havia recebido qualquer tipo de carta.
Um mês depois, passando em outra rua, reparei uma nova aglomeração mais adiante. Sem pensar duas vezes, fomos entrando. As pessoas nos olhavam com curiosidade, meninos tão jovens, ali participando, compenetrados no que estava ocorrendo.
Ficamos a observar tudo que acontecia. Eram choros, lágrimas, pessoas tristes que há muito não se viam. Abraços fortes. Uma bandeja foi atravessada pela sala repleta de sanduíches e sucos. Os adultos eram chamados para outra sala para experimentar licores. Observamos que havia um tratamento diferente que não havíamos percebido no velório anterior.
Para quebrar um pouco a monotonia do ambiente iam surgindo anedotas e casos engraçados para espairecer a tristeza do ambiente. Ao final deixamos nossos nomes no registro.
Neste mesmo ano, mais quatro ocorrências como as descritas acima aconteceram no bairro e lá estávamos nós para levar nosso abraço. O lanche também era algo que já era esperado. Ao final de um ano recebemos sete cartinhas de agradecimento. Isso de alguma forma me trazia algum conforto.
Os adultos pouco explicavam a respeito. Não entendia bem o que significava a morte, mas de certa maneira me ajudou a aceitar o assunto de forma tranquila. Mesmo com pouco entendimento sobre o assunto, de maneira ingênua levávamos o nosso conforto "meio maroto", a essas famílias com respeito. Mesmo sendo crianças, aprendíamos de certa forma a encarar o sofrimento alheio.
Hoje em dia, pelos menos nas grandes cidades, os costumes são outros, pois raramente se faz um velório em casa. Anos depois, estive muito perto da morte em um afogamento e de certa forma pude encarar o assunto com alguma naturalidade.
E-mail: luigymarks@uol.com.br
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Ela faleceu aos quarenta e seis anos, deixando marido, um filho de dezesseis anos e uma filha que faz medicina. Era muito preocupada com tudo e com todos, excessivamente preocupada, diga-se de passagem.
Analisando isso, tentarei, a partir de agora, ser menos estressada, menos preocupada e menos controladora, pois assim preservarei a minha saúde e a dos outros, não é mesmo? Parabéns pelo texto! Abraço Célia Enviado por Regina Célia de Carvalho Simonato - rccsimonato@hotmail.com