Doze para treze anos. Magrelão e alto, para a idade. Aí, vinha um e me dizia: “Meu chapa, compridão assim, quando você for para o exército é capaz de pegar PE!”
Eu nem fazia ideia de serviço militar, quanto mais “pegar” PE! Eu me alistei aos 18. Subsolo da esquina Viaduto Jacareí com a Santo Amaro. Filas enormes de “candidatos” a recrutas. Descendo a escadaria de granito, foi lá que eu “peguei”.
Não a “PE”, ainda que tivesse até crescido um bocadinho. Sequer incorporei. Peguei foi com o que a maioria sonhava: o certificado que garantia continuar civil “ad eternum”. “Dispensado”, excesso de gente – muita gente! Certificado datilografado – “terceira categoria”, falavam. E só existiam (existem) duas...
Pois naquela São Paulo, de meus doze para treze, a datilografia entrou na minha vidinha: “chegou-me às mãos”, literalmente. Tecla por tecla: a-s-d-f; a-s-d-f... Eu, vilamarianense até os 20 anos, morava de frente para a Caravelas. Sempre ancorado no mesmo “porto seguro”, latitude e longitude: “José Antônio Coelho, 736”.
Tão acostumado, como se nossa casinha fosse qual caravela no mar de almirante! Mas qual! Uma época tornou-se o Mar das Tormentas: megadesapropriação nos “pinchou” para longe dali. Mudamos. Para bombordo de estibordo!
Naquela mesma São Paulo de 1960, ainda de bondes e ônibus vermelhões da CMTC – quando o metrô ainda é sonho e o trânsito já pesadelo – eu, com 12 anos, entrei na “escola”. De datilografia.
Ora, se as “Casas Pernambucanas” (dizia o rádio de válvulas) eram “uma em cada bairro para melhor servir você”, escolas de datilografia eram uma em cada rua importante (de muito movimento). A “minha”, Domingos de Morais com Rodrigues Alves. O sobradão, tantos anos, remanesce, em pé.
Mostravam-nos, a nós, paulistanos na época, anúncios de jornais, anúncios nos bondes. Na região central, geralmente os cursos de datilografia eram no 1º andar dos prédios de escritórios. Quintino, Direita, São Bento. João Mendes, Líbero Badaró, 24 de Maio. São João, Ipiranga, Barão... Senac, Dr. Vila Nova?
Aos 18 anos, quando da “dispensa”, foi que igualmente “tirei”. Ali até pertinho da junta de alistamento, a do subsolo. Tirei a primeira carteira profissional, “de maior”. Pois minhas quatro “de menor” eram, na verdade, cadernetas de “contribuição ao I.A.P.I.”.
Já na São Paulo dos anos 70, quase 80, inúmeras vezes fiz testes de datilografia. Para ingressar em concurso público, cujas provas de datilografia eram via de regra nas “escolas” da região central.
Matraquear de teclas no sulfite A-4! Tão logo o aviso “Co-me-çou!” rompesse o silêncio da ansiedade – depois de “testadas” as Remington-Rand! Ansiedade que, de “à flor da pele”, migrava para as pontas dos dedos! Eram dezenas, centenas de mãos frenéticas tentando se manter sob controle – de cérebros nervosos e corações aflitos! Minutos que duravam séculos! “A-ca-bou o tempo!”. Aí, sim, sorrisos – inseguros, em fisionomias pálidas. Ufa! Era “o que Deus quiser” – com o aval, porém, do examinador. Passado paulistano.
Bem antes, eu molequinho, cinco ou seis anos, lia nos bondes abertos e camarões os apelos dos reclames “Ugepal” (a agência). Belamente “desenhados”, aludiam a cursos de datilografia. Eu lá sabia o que era, velhinho? “Escola Universal”, “Dom Bosco”, “Método Underwood” “(???)”...
Mas qual! Lembro sem nitidez. Minha memória, como fita de máquina “apagada”, gasta – prestes a rasgar! Fitas “de tecido” ralinho, preto-fixo, preto-vermelho, marca... Carbex! Lembrei! Eu, que tanto datilografei... Tivesse sido uma fita gigantesca, uma só, olha, cruzaria o Atlântico, acho! Não, menos: de uma calçada à outra, da Rua Direita (metade do percurso).
Já nas “firmas” e “repartições” por onde meus Vulcabras 752 caminharam, independente do “cargo”, absolutamente sempre datilografei. “Ah”, sempre uma Remington verdinha... Ou Olympia azulada, quando não a Olivetti “carro-médio”, cuja carcaça tinha a tonalidade “marrom” das “rolinhas-café-com-leite”. Nunca fiquei rabugento por ter que trocar fitas: as coleguinhas é que “nem pensar” de mancharem os dedinhos...
Embora o advento de máquinas de datilografia elétricas (para mim, final dos anos 70), minha predileção eram as “manuais”, de teclado mais “duro”, mais de acordo para meu “torque” nas teclas. Lembro-me de, trabalhando no Senai, ter pilotado uma tal de IBM – americana “hecho en Mexico”, constava – que era “um troço”! Uma verdadeira offset, imprimia qual gráfica! Lindeza. Fita de “poli” alguma coisa. À época, era raro quem possuísse. “Brastemp” de máquina!
Hoje, não me encantam os teclados de micros. Molinhos demais, extremamente “sensíveis” para quem “bate”, como eu, com a suavidade de uma britadeira!
De modo ingrato (para com ela), coisa de dez anos, foi que me desfiz da bela Facit cinza-marrom. Manual, “câmbio seco”. Fiel companheira de textos, dela restou a saudade. Nunca me deixou “na mão”, bela escrita de “tipos” de alumínio. Estimada engenhoca, “semper fidelis”. Nunca mais datilografei “ninguém”. Só esse insosso teclado (molinho!) de micro. Dou meu voto (vencido, claro) contra o progresso!
Mas como “memória paulistana”, venho respeitosamente (de) requerer. Ao site. Um minutinho de reconhecimento. Unzinho só, uma “homenagem”, queira condescender.
Ínfimo tributo aos datilógrafos. Batalhões de trabalhadores de todo o sempre – desde o alvorecer de São Paulo como metrópole fabril, anos 30... Por décadas, gerações de datilógrafos que ajudaram São Paulo a agigantar. Onde um escritório, ao menos um, mas sempre um datilógrafo.
Datilógrafos “exímios”, clamavam anúncios; datilógrafos “cata-milhos”, de dois indicadores. Todos a mesma importância, o mesmo labor. Conduziram São Paulo “para a frente e para o alto”, alguém já dizia.
Datilógrafos do comércio, da indústria, dos bancos e dos “serviços” outros; dos sindicatos, do ensino, dos hospitais, das “repartições”; dos escritórios de advocacia, contabilidade, despachantes. Dos tribunais, das delegacias (do Trabalho, de Polícia). Como não lembrar?
“Auxiliares de escritório” (de quando RH era “Departamento de Pessoal”), escreventes e escrivães; jornalistas redatores e revisores – do mesmo passado de São Paulo, que o meu: sentiríeis a mesma nostalgia, daquele utilíssimo engenho, a máquina de escrever? São Paulo “datilográfica”, onde os primeiros passos (melhor, primeiros “dedilhares” (sic)) nos eram – pacientemente, incansavelmente – advindos dos instrutores, das instrutoras. Não só das “escolas” como de outros disseminadores da “arte” de datilografar: salões paroquiais, sindicatos, entidades outras. Sombras do passado, claro.
São Paulo que passou. Anos 40, 50 – 60 e até mais. A São Paulo que propriamente não vivi, procurei um pouco conhecer dos jornais de arquivo, principalmente. Folheando com curiosidade, A Gazeta, Correio Paulistano; Folhas e o sisudo Estadão; Diário da Noite, Última-Hora... Diário Popular, cadernos de anúncios!
Anúncios de até mais de meio século, um era infalível: “Precisa-se de dactilógrafo”, até assim! Máquinas importadas, inglesas, americanas... “Precisa-se de datilógrafo”, “hein”! Pudesse deter o tempo! Melhor: voltar!
“Homessa!”, como exclamaria o Arrelia! Precisam de datilógrafo, é? Eis minha chance! Pouco (me) importa se vigente o anúncio: o que conta é a nostalgia, do coração!
Precisam de datilógrafo? Alguma Facit ou Olivetti à mão? Oba! “Eô, eô: me chama que eu vou! Eô, eô...”.
Foi só fugaz saudosismo. Já passou! Estou é cara a cara com um... Teclado de micro, molinho como ele só! Insosso. Sem o romantismo das máquinas de escrever.
Isso posto, sem mais, cumpre agradecer. A atenção de vossas senhorias. Claro, cordiais saudações! Também me subscrevo. Atenciosamente. De resto: arquive-se.
E-mail: rcm.rhda.sp@gmail.com